17 GIUGNO

 

 

Pe. FORTUNATO MORELLI

 

NATO:

Civezzano, TN – 29.05.1895

PRIMA PROFESSIONE:

12.08.1913

Chegou ao Brasil 12.05.1922

SACERDOZIO:

Roma - 29.05.1920

MORTO:

Campinas (S. Paolo) – 17.06.1980

ETÀ: 85 anni

 

Morelli Fortunato

Com a morte do Pe. Fortunato desaparece o último dos pioneiros Estigmatinos no Brasil. De 1922 a 1980 trabalhou por todas as nossas casas desenvolvendo todo tipo de atividades. Morreu como um patriarca rodeado por seus "descendentes", a quern transmitiu conhecimento, formação, esprito religioso, vivência sacerdotal. Morreu querido, admirado, rodeado de jovens que o amavam. E assim a Provincia e a Congregação ganham mais um intercessor na Gloria.

Nasceu em Scille de Civezano (Trento), a 29/05/1895, de José e Domingas. Foi criado num ambiente rigido e piedoso com mais um irmão e três irmãs. O pai trabalhava em minas, indo freqüentemente para a Suíça e até para a America do Norte (Colorado). Infância tranqüila, entremeada de fatos corriqueiros e simples.

Entrou para o aspirantado estigmatino em Verona, a 04 de novembro de 1907. Durante os estudos enfrentou todos os problemas decorrentes de uma guerra: apreensões, fugas, fome, indecisões para o dia de amanhã.

Ordenado sacerdote em Roma, a 29 de maio de 1920. Permaneceu dois anos na Itália em casas de Formação, sendo escolhido para as missões da America. Deveria ir para os Estados Unidos, mas por motivo da língua resolveu vir para o Brasil, onde chegou a 12/05/1922.

Foi logo para a Missão de Tibagi, no Paraná, onde desenvolveu seu ministério como vigário e missionário. Percorreu todo aquele sertão em lombo de animal, com chuva, sol, gripe, resfriado, febre e... muita boa vontade.

Após o fechamento das casas do sul, retornou para São Paulo (Rio Claro) onde foi professor, ecônomo, primeiro Mestre de Noviços.

Passou depois para o periodo de vigário: Sales Oliveira (fundador), Ituiutaba, Casa Branca. Construiu e reformou igrejas (Casa Branca e a igreja incendiada de Ituiutaba).

Voltou novamente para a Formação como Mestre de Noviços e confessor.

Viveu vários anos na Chácara Capivari, como um verdadeiro monge, rezando e cuidando das parreiras…

Os ùltimos cinco anos passou-os na Chácara do Vovô, na companhia dos seminaristas que sabiam apreciá-lo e amá-lo.

Foi sempre um religioso de observância rigida, na própria vida e como formador; exigente no cumprimento dos Cânones e nas disposições eclesiásticas, a frente de uma paróquia. Talvez, por isso, um pouco temido, mas sempre querido e admirado por sua grande caridade e espirito de fé.

Alma de artista. Quando aspirante fazia parte da bandinha do seminário (os músicos gostavam de locar em festas, onde pelo menos um dia, podiam comer a vontade). Gostava de se imiscuir nos cálculos e plantas nas construcões e reformas.

Discutia com pintores e fazia rabiscos (capela de Morrinhos, cenários de presépio, etc.).

Ultimamente seu maior passatempo era a montagem de um grande presépio. Diante de um tabuleiro de xadrez foi sempre um adversário perigoso, ainda mesmo em seus últimos dias.

«17 de junho de 1980: «às 17h10min, Pe. Fortunato é internado com urgência na Clinica Pierro... A partir desse momento até às 20h20min ele dormiu sem demonstrar nada de anormal... Às 21h55min foi-lhe aplicada urna injeção intravenosa para aliviar a dor que ele acusava sentir… Daí para a frente dormiu e acordou várias vezes… Quando lhe disseram que o soro lhe era necessário, acrescentou: "Não posso?".

Segundos depois voltou a repetir: "acabou, acabou, acabou!"…

Faleceu. Eram exatamente 23h45min. Faleceu tão serenamente como viveu!»

Costumava todas as tardes dar uma chegadinha até o Rio Tibagi que passava pelos fundos da casa. la remexer nas sobras de cascalho dos garimpeiros, com a esperança de encontrar diamantes ou xibius. Numa tarde, tentando atravessar o rio, pulando de pedra em pedra, percebeu um vulto num dos caldeirões da corredeira. Parou, espiou, e viu dentro um respeitável dourado, preso. O rio havia baixado e não havia possibilidade de saída.

- "Figliol dun can, spetta". E voltou correndo para casa. Encontrou Ir. Domingos e pediu-lhe que arrumasse uma fisga, dizendo que ia pegar o cavalo para pescar um dourado. Pe. Pelanda, quando soube, fez coro com as risadas do Ir. Domingos.

Terminada a fisga, Pe. Fortunato, já a cavalo e com um saco na mão, dirigiu-se novamente para o rio. Chegou na beira do caldeirão, olhou e lá continuava o belo douradão. Preparou a fisga, mediu bem a distância, calculou a força e... eis o dourado firme na ponta da lança. Após uns minutos de luta, o peixe, cansado e vencido estava dentro do saco. Transportado para a cozinha e preparado, durou uma semana.

Durante a visita pastoral que D. João Braga fez em Tibagi, Pe. Fortunato o acompanhou sempre. Surgiu daí uma grande amizade, uma grande admiracão e um certo modo de comunicação que nem sempre era entendido ou percebido pelos demais.

Privada e banheiro era (e é, ainda hoje) coisa que muita gente, para não dizer a maioria, não conhecia. Quando sentia-se algum movimento fisiológico, o recurso era procurar um local "privado", o que às vezes era meio difícil de encontrar. Geralmente levantava-se bem cedo e se procurava resolver logo o assunto.

Num patrimônio, próximo de Caetê, Pe. Fortunato saiu bem cedinho, resolveu seu problema e voltou. Logo apareceu D. João Braga, perguntando qual era o local mais adequado. E a resposta foi: - "Ali para o lado de Caetê". Daí por diante, cada manhã a pergunta do bispo era sempre: - "Pe. Fortunato, onde fica Caetê?".

Dentro da linha de moralizar os costumes por meio do batismo, Pe. Ferrúcio Zanetti costumava, por meio do sacristão (Bonifácio) conhecer todos os que estivessem em situação irregular. E assim foi fazendo uma lista, que enchia uma cadernetinha preta.

Logo numa das primeiras viagens do Pe. Fortunato ao Baú dos Batistas, lugar repleto de amancebados, Pe. Ferrúcio emprestou-lhe a famosa cadernetinha e o orientou.

Lá pelas tantas, surgiu um padrinho que gerou desconfiança. Pedindo licença para se retirar um pouco, Pe. Fortunato fez uma consulta e constatou que a desconfiança era certeza. Voltou e fez a pergunta, fitando bem o candidato: - "O senhor é casado na igreja? Se não for não posso aceitá-lo como padrinho". Obrigado a dizer a verdade, o homem afastou-se e comentou com um companheiro:

- "Danado de padre, ele olha para a gente, e fica sabendo de tudo".

Como sempre, a notícia espalhou-se deixando todo mundo de orelha em pé.

Nas viagens de missão, entre uma parada e outra não se atendia ninguém, pois arriscava-se a não chegar a tempo. Um dia indo de Imbaú para Campina dos Pupos, por insistência de um caboclo parou e fez um batizado. Como recompensa ganhou um xibiu que tinha o formato de um pintinho.

Chegando a Campina dos Pupos, pararam na casa do inspetor de quarteirão, que estava quase deserta. O povo comecou a aparecer. Aparecem também os baianos do garimpo. Dizem que são assassinos. Um deles queria casar-se com uma menina de 16 anos. Pe. Fortunato preencheu o papel. Logo em seguida vem outro. la casar-se com a irmã da primeira, e so tinha 14 anos.

- "Este não pode ser feito, diz Pe. Fortunato, a noiva não lem idade".

- Se este não for feito, o outro também não se farà. Tem que ser feitos os dois.

- O primeiro eu faço, o segundo não.

E assim o pessoal retirou-se zangado.

Na hora da janta o inspetor diz que a menina não tem nem 14 anos.

Mais tarde apareceu um rapazinho muito gentil e cheio de lábia, e foi logo falando: - "Senhor padre, sei que o senhor pode fazer o casamento, por que fui seminarista. Tenho uma coleção especial de xibius e posso dar-lhe de presente. Vale quinhentos mil réis".

- Salba, moco, que não faço porque não posso e também não me vendo. Você me ofende. Vim da Europa para salvar almas, não para perdê-las. E você pensa que pode comprar-me por 500.000 réis?"

À noite foi chamado para ver um doente. Foi em companhia de Bonifácio. O caminho atravessava o acampamento dos baianos. Ouviram gozações e troças. Chegaram a uma tapera e após atravessarem dois corredores encontraram um homem não muito doente. Logo que viu o padre comecou: - "Por favor, padre, faça o casamento de minhas filhas".

- Não posso, respondeu o padre. Vim aqui para ver um doente e não para falar de casamentos.

Retirou-se pelo mesmo caminho e ao chegar a uma porteira encontrou dois sujeitos fortes e mal-encarados. Um segurava a porteira e o outro tentou parlamentar: - "Queremos que o senhor faça o casamento das duas".

- Não posso! Vim para ensinar a Lei de Deus, não para transgredi-la

- Não faz? Então pode ir.

A porteira foi aberta e os dois passaram apavorados, com medo de levar um tiro pelas costas. Mas graças a Deus não aconteceu nada.

De manhã fez o casamento da moça de 16 anos e seguiu viagem.

Vinte e seis dias depois, já perto de Tibagi, vê a poeira do faetonte do Pe. Ferrùcio que o saudou: "Bravo! Fez muito bem em ser firme! Saiba que mataram as duas meninas.

Urna ainda não tinha 16 anos e a outra só 11".

Foi o maior perigo que Pe. Fortunato passou.

Durante a visita pastoral de D. João Braga, estando em S. Jerônimo, preparavam-se para ir até Jataí. O sr. Bispo ficou com o melhor cavalo e o melhor arreio; Pe. Ferrúcio ficou com seu cavalo e seu arreio. Ao Pe. Fortunato coube um cavalo emprestado e uma cangalha no lugar de arreio. Na hora da saída, quando Pe. Fortunato montava, devido a um movimento da cangalha, a espora esbarrou na barriga do cavalo que corcoveou e mandou o cavaleiro ao chão, com batina, chapéu e tudo o mais.

Depois das risadinhas abafadas e do socorro prestado, deram nova partida, pensando em fazer a viagem em duas etapas.

Já ao anoitecer atravessaram a vau um riozinho. Na margem oposta havia uma subida ingreme de uns 30 metros e logo após um altipiano com a casa de um caboclo.

Durante a subida a barrigueira do cavalo do Pe. Fortunato foi desapertando, e quando atingiram o alto, resvalou na virilha do animal. Este assustou-se, esperneou e saiu correndo sem o cavaleiro. Ordem das quedas: pelego, cangalha, Pe. Fortunato. O jeito foi parar e pousar ali mesmo.

No dia seguinte foram ver o lugar do "desastre" e notaram que estava repleto de pontas de arbustos cortados. Qualquer uma delas apta para matar quem lhes caísse em cima.

Graças a Deus nada aconteceu, o cavalo encontrado, a viagem prosseguida.

Quando Pe. Fortunato foi a Tibagi para fazer entrega das nossas propriedades aos Redentoristas americanos, foi aconselhado por um italiano a aplicar parte do dinheiro na aquisição de cavalos que lá eram baratos e enviá-los para a nova fazenda de Santana em Rio Claro.

Feita a compra, a cavalhada partiu por terra rumo a S. Paulo. No caminho perderam o melhor dos cavalos, um manga-larga maravilhoso. O restante chegou em dia.

Na tropa havia dois "pecherons" muito bonitos, que o sr. Luis Polezzi, então

administrador da Fazenda Santa Gertrudes comprou para uso do Conde Prates.

Em 1924 surgiu no Paraná a "Legião Paranaense" durante a revolução. O Juiz (espírita) convocou uma reunião com os maiorais na Câmara Municipal.

Na hora de sair para a reunião Pe. Alexandre Acler (ótimo conselheiro) disse ao Pe. Morelli: "Cuidado com a politica. O vigário que se mete em politica afasta o povo e corre perigo de vida".

Encontrou presente o Juiz, o Delegado, o Prefeito Mercer, o escrivão, mais 10 ou 12 pessoas. Após as palavras do Juiz apareceu um papel onde todos deveriam assinar, comprometendo-se com o movimento. Quando chegou a vez do vigário o papel empacou.

O Juiz perguntou-lhe: "O senhor não vai assinar?"

- Me desculpe, mas não posso assinar sem licenca dos superiores.

- O senhor não está de acordo conosco? Olhe que é perigoso ficar contra as autoridades. E perorou: aconteça o que acontecer, custe o que custar, estaremos aqui!

Pe. Fortuato evaporou pela porta.

Escreveram ao Bispo e este o chamou. Após sua explicação o Bispo (que era a favor da assinatura) perdoou-lhe e disse: "O senhor é um homem pacifico, não quer entrar na guerra".

Pe. Fortunato diz que o Bispo era a favor porque não conhecia bem a situação.

Daí uns dias apareceu no jornal de Castro: "Todos de acordo em Tibagi, mas o 'gringo' do padre não quis assinar".

Pe. Fortunato contava muito nebulosamente sobre uma viagem que fez com o Bispo durante uma visita pastoral (1925), lá pelos lados de Jataí e Sertanópolis.

Passaram por uma fazenda de ingleses e o engenheiro fez questão de hospedar o Bispo e dar-lhe um jantar. Durante o jantar fez um discurso, em que o Pe. Fortunato só entendia a palavra "Bishop".

Havia no ar um diz-que-diz-que muito grande sobre negociatas, vendas de terrenos, engenheiros desconhecidos e muitos outros etecéteras. E... logo depois surgiu Londrina.

Vigário em Casa Branca. Um dia, durante a adoração ao Santissimo, o Tiro de Guerra resolveu fazer exercício diante da matriz.

Pe. Fortunato mandou pedir ao sargento (Bezerra) que deixasse o barulho para mais tarde. Não foi atendido. Mandou pedir segunda vez e nada. Perdendo a paciência, saiu da matriz de barrete, roquete e estola, atravessou a formação de atiradores e foi direto ao sargento. Disse que o baruiho estava estorvando, que a cidade era grande e que

fosse para outro lugar.

Passado algum tempo apareceram o Prefeito e o tenente de Ribeirão Preto e mandaram chamar Pe. Fortunato. Deram-lhe "um sabãozinho" - segundo expressão dele - explicaram-lhe que sua atitude era passivel até de prisão, e que ele nunca se esquecesse de que Igreja e Estado são duas paralelas.

Mas o importante, segundo ele, foi que nunca mais houve amolação durante a adoração ao Santissimo.

Sendo vigário em Sales Oliveira, morreu um maçon e Pe. Fortunato negou-se a encomendar o defunto. A família insistiu e nada. Telefonaram para Mons. Laureano (Vigário Geral) em Ribeirão Preto. Monsenhor aconselhou-o a fazer a encomendação para evitar problemas, mas ele respondeu que nunca faria coisa alguma que estivesse contra o Direito Canônico.

Teimosamente o corpo foi levado à igreja. Ele estava num canto rezando o breviário. Percebeu vários indivíduos mal-encarados que começaram a rodeá-lo.

Por sorte apareceu o Pe. Aldo Da Madice, coadjutor, e lhe disse: Pe. Fortunato, eu vou fazer a encomendação para evitar coisas piores.

- O senhor é livre - respondeu - faça o que quiser, eu não farei.

Pe. Aldo resolveu o problema e tudo terminou bem.

Uns dias depois, outro maçon ficou doente e imediatamente a família mandou buscar o vigário. O homem abjurou e dias depois morreu. Imediatamente Pe. Fortunato fez questão de visitar o defunto em casa e o acompanhou até o cemitério.

Dizia que o susto do primeiro valeu pela consolação do segundo.

Na Chácara Capivari, já com mais de 75 anos, nas noites de frio, costumava brincar dizendo que queria uma virgem para aquecê-lo. "Se o santo rei Davi podia, por que não posso eu também?".

Em 1932 moravam no S. Benedito-Campinas, Pe. Fortunato Mantovani, Pe. Fortunato Morelli e Ir. Benedite Félix.

Na igreja havia muitos pombos que faziam uma estrepolia danada. Pe. Mantovani emprestou uma espingarda de um dos irmãos Chechia e mandou o Ir. Benedite acabar com os pombos. Ir. Dito não teve dúvidas. Subiu na torre e comecou a disparar para todo lado, inclusive para baixo.

O povo estranhou. O trânsito parou e... alguém avisou a policia. Vieram dois guardas e levaram a espingarda.

No dia seguinte uma ordem do delegado para que o padre se apresentasse na Delegacia. Pe. Mantovani mandou Pe. Morelli.

Com toda a inocência apresentou-se ao delegado que logo começou:

- O senhor é louco? Onde é que se viu atirar lá do alto da torre? Não sabe que poderia ter matado alguém?

- Não fui eu, senhor delegado, foi um Irmão...

- E o senhor, como superior, não è responsável? Onde se viu entregar uma espingarda nas mãos de qualquer um!

- Eu não sou superior, seu delegado. O superior mandou-me aqui para saber o que o senhor queria. Não tenho nada com isso. Só queria que o senhor devolvesse a espingarda que é emprestada.

O delegado então percebeu toda a situação. Mas, em todo o caso, fez-lhe mais um "sermão" e mandou-o embora dizendo que a espingarda seria devolvida mais tarde. Porém... nunca mais apareceu.

Pe. Fortunato contava que durante o ano de 1932, em Campinas-S. Benedito, muitas vezes enquanto estava fazendo reunião com as zeladoras, o "vermelhinho" (era um teco-teco e dos raros) começava a voar sobre a igreja, disparando rajadas de metralhadora. Era um corre-corre danado, com todas as velhas querendo esconder-se atrás do altar.

Pe. Fortunato "ordenado sacerdote em Roma em 1920, exerceu por dois anos o sagrado ministério na Itália; depois disso, com grande espírito de sacrifício e de renúncia, aceitou partir para o Brasil, num tempo em que a vida naquelas longínquas regiões era, ainda, menos civilizada e repleta de imensas dificuldades.

Ele, no estilo do Missionário Apostólico, disposto a tudo e aberto a qualquer trabalho, aplicou-se inicialmente a aprender a lingua portuguesa; estabeleceu-se depois no longínquo Tibagi (1922-25), onde empreendeu, a cavalo, uns bons giros missionários, 9 ao todo, cada um com a duração aproximada de 30 dias, inclusive entro as selvagens aldeias dos índios "Coroados", no meio de mil fadigas, perigos e sofrimentos.

A seguir passou o professor, ecônomo, coadjutor de suas paróquia, pároco em Casa Branca, padre espiritual dos nossos estudantes. Ainda hoje (12/06/1970), apesar da idade, Pe. Fortunato continua útil às almas, não só com o bom exemplo mas também com a atividade; com efeito, dedica-se à assistência espiritual dos agricultores na Chácara do Capivari (Campinas). Apraz me frizar esta figura de sacerdote, de religioso, de estigmatino, neste tempo de contestações, de obscurecimento dos valores tradicionais, de crises entre os sacerdotes. De sua parte, Pe. Morelli não teve incertezas na sua missão sacerdotal e apostólica. Ele se realizou pienamente, tornando-se um exemplo vivo e atraente de fé ardente e de pietade profunda, de pobreza real, de obediência sem discussões, de grande espírito de sacrifício e caridade.

Por isso subscrevo plenamente as seguintes palavras, escritas para esta ocasião pelo Provincial do Brasil (Pe. Lambert): "A  provincia se congratula alegremente com o caro Pe. Fortunato, vendo nele um dos baluartes e fundadores da Provincia Brasileira. Admira-o pela sua vida religiosa exemplar e pela sua dedicação que sempre teve e tem por tudo o que é nosso. Parabéns e congratulações, e que Deus recompense o bom Padre por tudo aquilo que fez por nós”. (Pe. Lodovico Nicolodi - por ocasião do jubileu de ouro sacerdotal do Pe. Fortunato).

"Um homem de Deus.

Ituiutaba, 31 de outubro de 1938! A noite está chega-chegando. Na praça da matriz, a vetusta igreja de Cônego Ângelo, projeta no espaço sua silhueta imponente e veneranda, as duas torres apontando para o infinito. A penumbra inicia sua tarefa de envolver tudo, apagando por fim o contorno das coisas e das casas em volta do segundo templo.

De repente! um clarão sinistro se ergue da igreja arrancando dos moradores adjacentes brados de alarme, que se estendem rápidos em toda a extensão da cidadezinha: "Fogo! a matriz pegou fogo!". Eram exatamente 9h15 minutos.

Acodem todos os que têm condição de fazer algo para impedir a ruína total. Salvam-se as imagens. Do sacrário é retirado o Santíssimo e, como por milagre consegue-se livrar das chamas vorazes e famintas o precioso arquivo da paróquia, sem perda de nenhum documento de valor. Entre a pequena multidão que se apinha e luta contra o fogo, também está o vigário que se desdobra em sua ação dando o exemplo. Terminado o trabalho de recuperação do que é possível, ele se queda a contemplar os escombros da sua cara Matriz, sem conseguir conter lágrimas sentidas.

O padre? Era Pe. Fortunato Morelli, recém-vindo à paróquia e cuja dereção como vigário ia ao meio do 1° no.

Ante aquela comoção dolorida, alguns presentes o animavam, dispondo-se a organizar, desde logo, a população para uma imediata reconstrução do amado templo. E foi assim que, a partir dali, diante do acervo de ruínas e cinzas que restavam da velha igreja de S. José, o sacerdote torna a resolução de agir.

Feitas as primeiras demarches, a 1ª pedra foi benzida e lançada no dia 19/11/1938. Dali surgiu a primorosa Matriz, hoje catedral de São José, monumental, sólida, imponente, espécime do mais lídimo estilo basilical-romano como foi da escolha do mesmo Pe. Fortunato.

Feita a digressão-introdução, resta saber quem é Pe. Fortunato e como se liga a Ituiutaba. Nasceu no século passado, no ano de 1895, na bela Itália. Vindo ao Brasil em abril de 1922, já sacerdote, desempenhou tarefas relevantes, destacando-se a de Padre Mestre de Noviços das duas primeiras turmas de estigmatinos brasileiros. Nessa tarefa ele se esmerou, transmitindo a seus dirigidos-noviços a iniciação na vida estigmatina e noções de espiritualidade, recalcando sobretudo o espírito de mortificação, traquejo da vontade, disciplina rígida e a prática da humildade, virtudes em que ele mesmo se aprimorara numa forma eminente.

Pe. Fortunato não era um prodigio de força e robustez, mas a vida metódica e frugal que levava o havia de conservar até uma idade fora do comum, pois atingiu a provecta idade de 85 anos.

Entre seus ministérios variados teve também oportunidade de se revelar como vigário zeloso e eficiente, quer em Sales Oliveira-SP, como em Ituverava-SP e, de forma bem conhecida por nós, em Ituiutaba. Nesta cidade surgiu no declinar de 1937 como 2° pároco estigmatino. Sua provisão de posse é datada do dia 28/12/1937.

Uma prenda natural desse padre era a afabilidade. Habitualmente calado, quando tinha oportunidade de palestrar com alguém, mantinha uma tonalidade de voz macia e branda. Ria também de uma forma própria, normalmente sem ressonância, como è comum em quem ri com gosto. O senso de responsabilidade no desempenho de suas obrigações lhe imprimiu atitudes de severa autoridade na direção de seus subordinados, trato que atingia as raias da dureza e severidade. Era isso que fazia dele um homem quase de dupla personalidade: extremamente afável e cordial na intimidade com seus confrades, e rígido em exigir disciplina com seus dirigidos. Mas, apesar de sua rigidez, jamais exaltado ou em tom de prepotente autoritarismo. Sendo ele pontual e rigoroso consigo, também transmitia aos iguais exigências, temeroso de faltar com seu compromisso de formador se agisse de outra forma.

Quando de sua permanência em Ituiutaba desenvolveu um trabalho de grande valor. Não é preciso repetir lances heróicos revelados na reconstrução da igreja matriz, em que se empenhou com todas as veras de seu coração, encaminhando as obras com solerte vigilância, dos alicerces até a cobertura da primeira parte do grandioso templo. Nem è necessario recordar o esforço dispendido em reconstituir e legalizar o Patrimônio da paróquia, fazendo uma busca conscienciosa e persistente nos documentos de doações e outras transações de terrenos pertencentes à igreja. O que, porém, mais o assinalaram como responsável da paróquia foram: a dedicação dispensada às associações paroquiais, o desvelo pela educação cristã da juventude de nossa região, estabelecendo na casa paroquial um patronato-pensionato para meninos vindos das fazendas, pensionato que passou depois a escola primária e evoluiu mais tarde para a categoria de Ginásio. Providenciou também a vinda das Irmãs de São Carlos Borromeu, para assumirem a direção de um colégio para meninas, que se transformou, depois de longas peripécias, no majestoso Colégio Santa Tereza, tão benemérito em nosso ambiente e do qual muitas filhas de famílias da região se encarreiraram nos vários setores de muita valia para o nivel profissional. Com relação a

essa proeza de relevante significado para a sociedade ituitabana, é de ressaltar o apoio que Pe. Fortunato encontrou da parte da família Carvalho, dentre eles destacando-se o então prefeito Adelino Carvalho, de saudosa memória.

Ao findar esta tarefa, multifária e benéfica para a nossa população, Pe. Fortunato, como bom soldado da Igreja e da Congregação Estigmatina, ao primeiro chamado de seus superiores, sem nenhum amargor ou pesar, dispõe-se a ir continuar suas preciosas atividades ministeriais em outras populações, no Estado de S. Paulo. Era o dia 2/02/1945.

Ao passar o bastão de comando a seu sucessor, Pe. João Avi, deixava a construção da matriz a meio caminho e a situação espiritual da paróquia em perfeita ordem e andamento.

O livro de Tombo da Paróquia S. José conserva minuciosa e preciosa resenha de acontecimentos e realizações, mercê de sua meticulosa atenção de lançar tudo o que pudesse ter utilidade para o futuro da paróquia. Os livros de registro de batizados e casamentos metodicamente escriturados e assinados, sempre no talhe impecável de sua letra nítida, alinhada e uniforme.

Os últimos anos desse extraordinário sacerdote, cura de almas, foram anos de muito sofrimento, pela enfermidade que o atacou. Sofreu resignadamente e feliz de servir a Igreja e a Congregação a que pertencia. Seu passamente foi dos mais edificantes. Seu derradeiro gesto que fez ao confrade que o assistia foi um aceno de mão como a dizer, no modo usual de despedida: "ciao", adeus, revelando estar com a alma em paz e satisfeita. Assim se extinguia em Campinas de S. Paulo, aos 17/06/1980 esse fiel soldado de Cristo.

Pe. Fortunato, não desmerecendo dos demais estigmatinos que por aqui passaram, foi trabalhador indefesso, a dedicação personificada e um pároco zeloso e incansável.

A ele o preito de nossa veneração, neste cinqüentenário!". 

 

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